Consumo de peças de segunda mão é opção barata e sustentável
para quem gosta de renovar o guarda-roupa sem pesar no bolso. E ainda pode ajudar o meio ambiente
Por Fernanda Pereira
Diariamente, são descartados inadequadamente cerca de 12
toneladas de resíduos têxteis, segundo a Associação Brasileira da
Indústria Têxtil e Confecção (ABIT). A crise econômica, aliada a esse impacto
ambiental, está levando consumidores a buscar produtos de segunda mão para
praticar a moda barata, consciente e sustentável. Dessa forma, brechós e
sistemas de trocas de roupas estão cada vez mais populares no Brasil, pois, além
de serem econômicos, não exploram os recursos naturais para a confecção de
novas peças.
Foi pensando nisso que a articuladora de projetos de
economia colaborativa Mariana Pellicciari, de 30 anos, criou o projeto Roupa Livre. O mundo da publicidade não a satisfazia mais e ela questionava o seu
trabalho. Nesse tempo, Mariana participou, com uma amiga, de uma oficina de
re-roupa (oficina de transformação de peças). “Cortar pela primeira vez um vestido e transformá-lo em uma saia e
uma blusa mudou algo pra sempre dentro de mim. Juntei isso com o meu desejo de
questionar o consumo como um todo e as coisas começaram a se encaixar”, diz
Mariana.
O Roupa Livre cria alternativas à forma
descartável de consumir roupas, buscando reaproveitar o que já existe pronto e
incentivar soluções para lidar com o excesso que existe no mundo hoje.
O projeto propõe uma relação com o que as pessoas vestem por
meio de eventos, cursos, livros digitais, mapeamento de iniciativas,
produção de conteúdos e um
aplicativo digital. “Fomos entendendo que além de fazer eventos e oficinas,
onde as pessoas praticam e experimentam uma nova relação com as roupas, podíamos
contribuir fornecendo informações e outras soluções para ajudar as pessoas a
terem esse novo olhar para as roupas”, complementa.
Mariana acredita que é possível desacelerar os hábitos de
consumo das pessoas. “Uso a nossa
pirâmide de novas prioridades pra mostrar pras pessoas que outros verbos elas
podem incluir no vocabulário antes de pensar em comprar”, conta.
Arte: Roupa Livre
Pensar em consumo consciente pode remeter a comprar peças atemporais,
com qualidade melhor e em menor quantidade. De fato, fazer essas escolhas e
refletir sobre o consumismo ajuda a aliviar o bolso, mas existem outras saídas
para praticar a sustentabilidade. Comprar peças em brechó, participar de feiras
de troca ou até mesmo organizar bazares são opções para a prática do consumo
consciente (e barato) e para dar uma segunda chance àquelas peças que já
existem.
O projeto Trocaria, que encerrou suas atividades em outubro
de 2017, tinha esse propósito. Fundado pela empresária Evelise
Biviatello e pela sócia Maitê Hotoshi, o Trocaria começou como um
blog, evoluiu para feiras de trocas e alcançou uma marketplace online
lançada no início do ano. Tudo isso
possibilitou que pessoas do Brasil todo pudessem “estender o ciclo de vida de
suas roupas e acessórios de maneira consciente e colaborativa através da
compra, venda e troca”, segundo Evelise.
A economia
A consultora em estética Gabriela Ferreira, de 20 anos,
encontrou nos brechós uma forma barata de comprar peças que reforçassem a sua
identidade. “Eu sempre gostei de me vestir diferente, mas não eram em todas as
lojas que eu conseguia encontrar essas peças, e nas que eu achava o preço não
cabia no meu orçamento”, conta. “Foi então que eu conheci os brechós e me
apaixonei, porque encontrei peças com personalidade que ninguém mais teria
igual e, o melhor, com um preço super camarada”, explica. Além de comprar,
Gabriela também vende suas peças e essa é uma maneira de aumentar o orçamento.
Confira os valores de algumas peças compradas por Gabriela:
Confira os valores de algumas peças compradas por Gabriela:
R$5 cada. Fotos: Fernanda Pereira.
Bolsa: R$3; shorts: R$5. Fotos: Fernanda Pereira.
R$3 reais cada. Fotos: Fernanda Pereira.
Peças que serão vendidas em um brechó que Gabriela está organizando. Foto: Fernanda Pereira.
Embora a sustentabilidade seja uma consequência do consumo
consciente, a economia é um dos principais motivos que levam as pessoas a
comprarem peças de segunda mão. “Com o valor que eu compraria uma blusa numa
loja no shopping, no bazar eu comprava três peças”, explica Gabriela.
A empresária Bárbara Rodrigues, de 22 anos, transformou o
brechó em uma nova fonte de renda. Após passar uma fase consumista e acumular
peças, decidiu criar um brechó para vender tudo isso. “Com o tempo percebi que
poderia ser meu trabalho, comecei a garimpar e revender”, explica. Hoje,
Bárbara é dona do Brechó Ser, que funciona de forma online. Formada em Comércio
Exterior, ela trabalhava em uma consultora agrícola antes de se dedicar
totalmente ao novo empreendimento, e hoje sua rotina é outra. “Hoje em dia trabalho
apenas com isso, consigo me manter e tenho horários flexíveis”, conta.
A indústria da moda é a segunda
maior empregadora do Brasil, segundo dados de 2015 da Associação Brasileira
da Indústria Têxtil e Confecção (ABIT). O país também é o quinto maior produtor têxtil do mundo.
Para a professora universitária e economista Viviane Félix, com o aumento
da prática do consumo consciente as empresas terão que se adequar e vender
produtos com uma margem de lucro menor, pois as pessoas irão comprar menos
produtos novos. “O setor de usados irá crescer gerando emprego, com certeza o
consumo consciente irá afetar a economia como um todo”, explica.
Evelise acredita que essa nova forma de consumo pode
impactar a economia de duas formas. Uma delas é a diminuição do consumo, já que
compras por impulso podem perder espaço. “Por outro lado, existe uma
oportunidade enorme para marcas sustentáveis, com processos inovadores e justos
ganharem mercado, ou mesmo uma adaptação de grandes varejistas para processos
mais sustentáveis, como é o caso da H&M e C&A”, completa.
Com a crise econômica que o país atravessa, é comum
encontrar notícias que evidenciem a quebra de lojas e fábricas, mas Mariana faz
uma crítica a essa abordagem. “A pauta gira só em torno da crise econômica e
política sem levar em conta este fator ‘já temos demais’”. Para ela, a postura
da sociedade deveria ser outra diante deste fato. “Seria muito mais
transformador encarar este fato de frente e agir em busca de criar soluções de
negócio para lidar com o que já existe do que tentar fazer sobreviver uma forma
de produzir que não faz mais tanto sentido”, contesta.
Preconceito
Para Viviane, essas formas de consumo consciente são ótimas
opções para economizar em tempo de crise. Ela destaca que essa tendência veio
de fora. “Na Europa, por exemplo, é comum as pessoas irem aos brechós. Aqui
ainda existe um pouco de preconceito, mas penso que isso está mudando”,
completa.
Os brasileiros estão se acostumando com a ideia e o consumo
de roupas de segunda mão está ganhando espaço. De acordo com o Sebrae, nos
últimos cinco anos, o segmento dos brechós cresceu 210%. Também está havendo uma
variedade de seus formatos.
Looks montados por Gabriela com peças compradas em brechós. Foto: Arquivo pessoal.
A auxiliar de escritório Raquel Oliveira, de 18 anos,
acredita que grande parte do preconceito das pessoas com peças de brechó
acontece pelo status. “Roupas novas ou sapatos novos são considerados símbolos
de status, roupa já usada parece que perde esse status”, explica. Já Bárbara
Rodrigues acredita que o preconceito está diminuindo porque “as pessoas estão
mais conscientes e buscando alternativas sustentáveis”.
O papel da internet
A vendedora Bárbara Lopes acredita que a internet oferece
grande ajuda ao sistema de brechós. Embora tenha essa prática, ela confessa
nunca ter entrado em um brechó físico. As compras, vendas e trocas são todas
organizadas pela internet e a entrega é feita em pontos da cidade. “Marcamos
uma estação [de metrô e trem] ou terminal [de ônibus] boa para ambas”, conta.
Através da filha, a analista jurídico Symone Santos, de 48
anos, conheceu um grupo de brechó no facebook e decidiu vender peças que não
lhe serviam mais. “Eu tinha muitas roupas, levantei 400 reais com peças básicas
e nem acreditei”, conta. Agora ela é frequentadora do brechó Sambura, da AACD.
Mariana, fundadora do Roupa Livre, está há três anos
renovando o guarda roupa basicamente em encontros de troca ou reformando peças
já existentes. Para quem tem vontade de conhecer mais sobre essa forma de
consumo, mas tem receio, Mariana deixa um recado. “Experimente! A primeira vez
que voltei pra casa com peças novas, mas que já tinham sido usadas antes, foi
aquela sensação de: ‘Gente, isso faz muito sentido! Porque eu nunca tinha feito
antes!?’ Então só participando de uma troca é que dá pra sentir na pele o
quanto é legal!”, finaliza.
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